Tulipas
Que merda! Nunca deveria ter agido daquela maneira com a Claudinha. Ela é tão doce, tão meiga. Sempre dava-me bombons quando recebia do namorado. E, mesmo quando tinha apenas um, ela dividia comigo. Agora, esbarro com ela e nem ao menos um sorriso, um olhar pra mim. Poxa, o que custa um sorriso? Mas espero que tudo termine bem. Afinal, toda história tem um final feliz, não é mesmo? (silêncio)
(...)
Sábado, pela manhã, comi um doce de leite que minha mãe terminara de fazer. Ela falou-me:
- Menino, coma isso uma hora dessas não! Tá quente! Dá dor de barriga e você vai já almoçar.
- Ah, mãe... Estou só raspando a panela, não é nada... - repliquei.
Dito e feito! Duas horas depois, estava com uma imensa dor de barriga.
- Bem feito! Quer mais doce? - Detesto o tom irônico da minha mãe! - Ei, menino, a Cláudia ligou pra você e disse que passa aqui sete horas com o boy dela. Ela disse que num era pra você se atrasar não. Ave Maria, sei que besteira é essa, passar uma hora arrumando esse pingo de cabelo!
- Poxa, mãe, eu queria ter falado com ela. Por que não me passou o telefone?
- Ela tava apressada, muleque. Deixa a menina dos outros em paz! Ou ela tá arrumando uma boyzinha pra você, ein?
Com uma desgraçada dor de barriga, e ainda ouvir minha mãe encher o saco para que eu arranje uma namorada! Sai irritado da cozinha e corri para o banheiro.
Após o almoço, deitei na cama e fechei os olhos.
'Lá voltava ela. Tão lindo aqueles cabelos negros. Macios como uma pluma. Cheirosos como tulipas brancas em detalhes vermelhos. E sua pele? Tão branca que, de longe, via-se a ponta do nariz avermelhada devido ao frio. E corria ao meu encontro. Abraçou-me. Beijou minha face. Claudinha.
- Carlos?! Por que está me beijando? Sai sai sai...'
- Menino! Já está pronto? A Claudia tá lá em baixo com o Carlos.
Sete e dez. De um salto, corri para o chuveiro. Poxa, no instante em que a Claudinha me beija e vejo o Carlos, minha mãe me chama. Bom, pelo menos o Carlos não me beijou. (risos)
- Só um minuto! - Estava quase totalmente pronto, exceto, o cabelo. Não havendo mais tempo de arrumá-lo, coloquei a boina vermelha (há quem diga que parece com o chapéu do Mário, mas eu gosto porque tem a inicial do meu nome) e um cachecol. Olhei para o espelho: 'Estou lindo!'
Ao descer as escadas, escuto minha mãe cochichar ao Carlos:
- ... e tenham cuidado com drogas. Se o Marcelo não tiver camisinha, dá uma pra ele!
- Vamos, pessoal?! - Cortei a conversa e dirigi-me à porta, antes que minha mãe começasse aquela velha lição de vida 'pré-balada'.
- Ótima noite, Dona Joana.
- Falou, tia.
Frio. Entrei rapidamente no carro. Virei-me para Claudinha:
- Então, para onde iremos dessa vez?
- Amor, você sabe chegar no Night Bar? - Ai, como eu detesto quando ela chama o Carlos de 'amor'.
- Claro! - E lembrei-me do Carlos tentando beijar meu rosto no sonho de hoje. Nojo.
- Lotado!
Ao pegar minha identidade falsa (no Night Bar só entram pessoas a partir de 18 anos), abri a porta para a Claudinha descer do carro, como um exímio cavalheiro, e beijei a mão dela. Tão belo seu sorriso.
Carlos pegou-a em um dos braços e tocou em meu ombro. Suas mãos são enormes. Fiquei para trás.
Em direção à entrada do bar, percebi que eles dois não combinam. Cláudia é baixinha, tem traços europeus delicados (seria ela descendente de italianos?). Carlos, por outrlo lado, é alto e forte. Traços robustos de homem da idade da pedra. Cabelos negros, pontudos (deve gastar um litro de gel para o cabelo). Olharam para trás e, em sintonia, gritaram:
- Não vai entrar, Marcelo? - Sorriram.
Encantador.
(Continua)